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terça-feira, 28 de julho de 2015

Vila dos Mineiros. Minas do Camaquã.Caçapava do Sul.RS.2014


Um Lugar que vê o futuro no passado

Reportagem 
Marcelo Gonzatto 
marcelo.gonzatto@zerohora.com.br 


Distante 300 quilômetros de Porto Alegre, sem acesso por asfalto e escondida por coxilhas e formações rochosas, encontra-se uma vila que, apesar da distância, já esteve no centro dos acontecimentos no Rio Grande do Sul.
Construída por um dos mais renomados playboys que o mundo já conheceu, o industrial ítalo-brasileiro Francisco Pignatari (1917-1977), Minas do Camaquã gerou fortunas, atraiu mais de 5 mil moradores, recebeu a visita de governadores e de presidente da República. Hoje, os cerca de 600 habitantes remanescentes andam por ruas quase vazias e entre prédios abandonados enquanto sonham com a volta dos tempos de glória.
O distrito do município de Caçapava do Sul é uma dádiva do minério de cobre oculto em seu subsolo. Graças à exploração do metal, descoberto no século 19, Minas do Camaquã floresceu em meio ao pampa gaúcho.
Além das casas de material onde viviam principalmente funcionários da empresa mineradora de Pignatari, nos anos 1970 o local ostentava clube com sauna e piscina, hospital com bloco cirúrgico e laboratório de exames, escola, ginásio poliesportivo e até um improvável cinema de madeira erguido ao estilo de um saloon americano, com direito a porta vaivém na entrada. Nenhum morador pagava aluguel, luz ou água: os gastos eram cobertos pela Companhia Brasileira do Cobre (CBC).
— Quase todo mundo tinha carro, as ruas viviam cheias de gente. Era como uma cidade grande longe de tudo, um mundo à parte – recorda o antigo funcionário da CBC Zaldemir Alves Teixeira, 66 anos.
Tudo mudou quando o cobre minguou e a exploração foi interrompida, duas décadas atrás. A maior parte da população debandou, o hospital foi desativado – atualmente, um médico visita a região uma vez por mês –, o ginásio fechou à espera de reformas, o clube deixou de funcionar, e o antigo cinema apodrece sem perspectiva imediata de recuperação. 
— Era um luxo só. Além do cinema, onde passavam os filmes que estreavam em Porto Alegre, o mesmo prédio servia como salão de baile. Aqui se apresentavam nomes como Teixeirinha e Gildo de Freitas – conta Teixeira.

O ex-funcionário viu praticamente todos os amigos e vizinhos irem embora no final dos anos 1990. Mesmo com a chegada de novas famílias, ainda há casas e estruturas aparentemente abandonadas. Muitas residências de antigos mineiros servem agora de refúgio de final de semana para moradores de municípios próximos. As centenas de fiéis habitantes de Minas esperam, agora, uma nova reviravolta. Apostam na retomada da extração de minério e no crescimento do turismo para recuperar o fulgor que o lugarejo já exibiu.
— Essa região sempre se caracterizou por ciclos de mineração, e um novo ciclo está para se iniciar. Certamente, vai alavancar a economia dos municípios da região, como Caçapava do Sul e Santana da Boa Vista — crê o empresário e morador Luiz Paulo Pavão, que trabalhou na antiga mineradora e hoje tem pousada e restaurante na localidade. 
O desejo de apagar o apelido de “cidade-fantasma” ganhou força graças ao início de pesquisas destinadas a explorar novas riquezas subterrâneas. Há dois anos, a empresa Votorantim Metais anunciou a disposição de investir R$ 300 milhões para extrair zinco e chumbo na região. No momento, segue fazendo sondagens no solo – fase anterior ao início da exploração, ainda sem data.
Seria a retomada de uma vocação que teve início com o auxílio de ninguém menos do que o imperador D. Pedro II.

A decadência que se abateu sobre a vila de forma repentina, após o fim da exploração do cobre, contrasta com a riqueza da história da região. Essa trajetória teve início quando um antigo proprietário da área, o fazendeiro e coronel da guarda imperial João Dias, encontrou D. Pedro II durante a estada do imperador no município de Caçapava do Sul, em 1865, a caminho de Uruguaiana. 
Dias se aproximou de D. Pedro, reconhecido pelo apreço à ciência, com uma pedra esverdeada em mãos. Perguntou ao monarca se sabia do que se tratava. O imperador não soube responder, mas escreveu uma carta de próprio punho pedindo a engenheiros ingleses que mineravam ouro no município vizinho de Lavras do Sul que analisassem o material.
A pedra foi enviada à Inglaterra e, cerca de seis meses depois, veio a confirmação de que se tratava de cobre. Nos anos seguintes, ingleses, alemães e belgas escavaram minas, exploraram a riqueza do solo gaúcho e deram origem à localidade de Minas de Camaquã.
A logística para transportar a riqueza dos confins pampianos até o Velho Mundo era desafiadora. Os alemães carregavam o metal em carros de boi ao longo de 90 quilômetros até uma estação de trem em Hulha Negra, de onde a carga era conduzida ao porto de Rio Grande e, de lá, para a Inglaterra. Com a queda no preço internacional do minério, as extrações foram suspensas por volta de 1910.
Foi a 2ª Guerra Mundial que voltou a destacar Minas do Camaquã no mapa do Rio Grande do Sul. O conflito multiplicou o uso de metais para moldar o arsenal de guerra dos Aliados, e deu início a uma nova corrida pelo cobre gaúcho. O então presidente Getúlio Vargas alinhavou um plano para reativar as minas: criou uma empresa em parceria com o governo estadual e a iniciativa privada para explorar o subsolo.

Baby (em pé) ao lado de Médici (sentado, à esq.) em reunião no clube local
O sócio escolhido foi uma das mais singulares figuras que o país já conheceu, hoje quase esquecida: o empresário e bon vivant Francisco Matarazzo Pignatari – multimilionário, aventureiro e sedutor que figurava nas publicações mais importantes do mundo ao lado de beldades de Hollywood e acabaria construind

Figura de Hollywood e do interior do RS
Em 1º de dezembro de 1958, a renomada revista americana Life trazia uma reportagem de oito páginas sob o título O novo rei do mundo dos playboys. O personagem era o empresário mais conhecido como Baby Pignatari, apelido atribuído por uma babá inglesa que cuidou do futuro industrial nascido em Nápoles.
O empreendedor, neto do célebre Conde Matarazzo – migrante italiano que construiu um império econômico no Brasil –, tornou-se um nome mundial após rumoroso romance com a atriz de Hollywood Linda Christian.
Foi o desfecho do caso que atraiu atenção global: cansado da namorada possessiva, o milionário contratou uma banda e um grupo de pessoas para organizarem uma manifestação diante do hotel em que ela estava no Rio de Janeiro. Em cartazes, lia-se a frase “Go home, Linda!” (Vá embora, Linda!). Linda foi. Depois disso, Baby voltou a ser notícia quando tomou para si, dos braços do príncipe Alfonso de Hohenlohe-Langenburg, a princesa italiana Ira de Furstenberg. Baby chegou a ser preso no México sob uma acusação de adultério apresentada pelo príncipe ultrajado. 


Na primeira edição de dezembro de 1958, a renomada revista norte-americana Life publicou uma reportagem de oito páginas sobre Baby Pignatari. O texto dizia: “Um playboy deve ter posição social, charme, educação, muito dinheiro e, acima de tudo, sorte. Baby preenche todos os requisitos gloriosamente”. Baby tinha mesa cativa nos melhores restaurantes de Roma ou Nova York, mas gostava de jogar bola com pescadores na praia. Bebia e brigava em clubes noturnos, mas jamais faltava a uma reunião. 
A princesa e o empresário se casaram, mas se separaram em 1964 após três anos juntos. Ele voltou a badalar ao lado de beldades como Kim Novak e Jill St. John – atriz que era assediada por nomes como Frank Sinatra e Sean Connery.
Baby também era um fenômeno nos negócios. Com 20 anos, herdou do pai uma empresa com 400 empregados. Seis anos depois, nos anos 1940, já eram 10 mil trabalhadores em áreas como laminação, mineração e fabricação dos famosos aviões Paulistinha. Tinha pendor à aventura: disputou corridas de carro e pilotou um teco-teco sozinho após quatro horas de lições.
– Era um líder. Teve quatro casamentos e, no meio desses casamentos, namorou o mundo. A vida dele se prestaria a um filme – conta o escritor gaúcho Alcy Cheuiche, que organizou o romance histórico Baby Pignatari, o Centauro de Bronze.
Em 1942, Baby montou a CBC ao lado dos governos federal e gaúcho. Na década seguinte, assumiu o controle acionário da empresa e deu impulso a seu ambicioso projeto: criar, no Rio Grande do Sul, uma cidade-modelo. Era Minas do Camaquã.

Sob a administração de Baby Pignatari, o lugarejo do interior gaúcho ganhou ares de cidade cosmopolita. Vinha gente de todos os cantos do Estado para extrair metais das entranhas da terra. Ao nível do chão, o empresário havia construído uma vila que espelhava sua empresa: os diretores ganharam casas nos terrenos mais elevados e centrais. Empregados intermediários ocupavam as casas um pouco mais afastadas, e as áreas periféricas eram tomadas pelos mineiros. 
Todos admiravam o perfil bonachão de Baby. Quando pousava com seu avião na pista perto da chamada Pedra da Cruz, onde mandou instalar um enorme crucifixo metálico (a estrutura tombou durante um forte temporal no mês passado), as crianças se juntavam para vê-lo. Certa vez, ao deparar com um funcionário erguendo uma casa de barro, que não considerava digna, mandou parar. O homem, sem saber com quem conversava, respondeu, ríspido:
— Quem é você para me dar ordens? Preciso construir essa casa para a minha família.
Assim que chegou a seu escritório, Pignatari deu um prazo de 24 horas para que fosse erguida uma casa de alvenaria para a família do empregado. Queria vê-la pronta antes de ir embora. Entre os anos 1960 e 1970, a localidade viveu um período áureo de assistência médica gratuita, presentes para as crianças no Natal e churrascos servidos para a população inteira, em um campo de futebol, no Dia do Trabalhador. 
A empresária e líder comunitária Guacira Pavão mudou-se para Minas nos anos 1970. Aos 13 anos, ganhou uma bolsa de aprendiz na empresa por seu desempenho na escola.
— Falam do Pignatari como playboy, mas era um grande administrador e tinha preocupações sociais. Fez igreja, hospital, colégio, cinema, mercado, padaria, farmácia, clube de mães — relembra Guacira.
A importância econômica da região era tamanha que o presidente Emílio Garrastazu Médici esteve no local na década de 1970 para inaugurar uma nova galeria, assim como os governadores Amaral de Souza e Walter Peracchi Barcelos. Aos poucos, o cenário se alterou. Pignatari morreu em 1977, em razão de uma leucemia. 
A CBC, que havia passado ao controle público devido à decadência do conglomerado do empresário, acabou privatizada nos anos 1980. Ainda assim, quando o cobre rareou, as máquinas pararam e a maior parte dos trabalhadores foi embora, em 1996, os poucos remanescentes sofreram um baque.
— Era um clima terrível. Todos os dias, algum amigo ia embora. Eu fiquei praticamente sozinho na rua onde eu morava — recorda o ex-funcionário Zaldemir Teixeira.

Quase 20 anos após o fim da mineração, o clima entre os remanescentes de Minas do Camaquã é outro. Maria Elma Oliveira Dias, 64 anos, trabalhava servindo refeições no antigo hospital e limpando escritórios. Atualmente, sonha em se tornar dona de um restaurante que atenda novas levas de mineiros e de turistas. Por enquanto, seu negócio é um misto de armazém e refeitório familiar. Tem um balcão onde vende alguns produtos, e um ambiente onde há uma única mesa de jantar decorada por flores de plástico e um sofá.
— A gente tem esperança que um dia reabram as minas, né? Não me arrependo de ter ficado aqui — conta Maria Elma.
Enquanto novas minas não são escavadas, o turismo de aventura é a nova preciosidade da região coberta por rochas, matas e com um lago artificial azul-turquesa formado na área de uma antiga mina a céu aberto. A operadora de turismo da região, a Minas Outdoors Sports, recebeu 2,2 mil visitantes em 2014. No próximo final de semana, promoverá a terceira edição do Festival Gaúcho de Esportes de Aventura. Neste ano, até setembro, já haviam passado mais de 3 mil turistas pela localidade. 
Graças a isso, pela primeira vez em duas décadas um número crescente de jovens está deixando de migrar para outras cidades a fim de permanecer em Minas do Camaquã. Nillker Dias, 19 anos, trabalha como guia de turismo fazendo visitas a pontos como o lago azul.
— Se não fosse o turismo, provavelmente não teria como ficar aqui — conta Dias.
Mas a vila ainda sofre com o abandono. Na área central, onde o antigo cinema de madeira apodrece, há lixo acumulado. A assessoria de imprensa da prefeitura de Caçapava do Sul informa que a coleta é feita semanalmente, que há um projeto para recuperar o ginásio, mas admite que não há nem perspectiva de resgatar o velho Cine Rodeio— testemunha de um tempo de rara pujança de uma vila que já esteve no centro dos acontecimentos no Rio Grande do Sul.

fonte:https://zerohora.atavist.com/minasdocamaqua

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